O simbolismo repetia-se sempre que me deslocava a Loriga!
…Abrir a porta de casa e dirigir-me apressadamente para a varanda e contemplar a paisagem que a minha infância viveu, corporizou e me ensinou a amar. Gestos simples, eivados de uma singeleza angélica, reveladores de sentimentos profundos para quem aprendeu a gostar de Loriga.
Daquela vez, o meu gesto rotineiro foi abalado e violentado por aquilo que a minha retina ia vislumbrando e o meu cérebro registava. Tive, repentinamente que conter a emoção. Não queria acreditar naquilo que o meu subconsciente já tinha diagnosticado.
Incrédulo, quis “in situ” observar e avaliar tamanha desgraça e incomensurável infâmia. O conjunto de 4 (quatro) moinhos hidráulicos situados no Regato, tinham sido destruídos.
Como foi possível camuflarem-se em terramoto devastador, logo ali naquele lugar e, arrasar mais um legado patrimonial representativo de uma das mais peculiares atividades de economia popular e história local?
Como foi possível, os poderes autárquicos representados pela Assembleia Municipal, Câmara Municipal, Assembleia de Freguesia e Junta de Freguesia permitirem tão avassaladora destruição?
Como foi possível que mais uma corporização da memória coletiva dos homens, tenha sido vilipendiada por pessoas sem rosto, sem alma e sem passado?
Como foi possível o PNSE tivesse também ficado indiferente, pois, de restrições sabem eles, a mais esta aberração ambiental e natural?
Mais uma vez, na vila de Loriga, tudo se permite e acontece. O património, a base identificadora e o suporte jurídico, histórico e cultural do povo a que pertence, vai-se desvanecendo como o foi no passado…
Hoje, como o foi também ontem, talvez daqui a alguns anos seja ainda pior, não nos permitirem ostentar uma marca fortemente artística e digna da nossa memória colectiva. A culpa é de quem? Do desconhecimento e intolerância do homem… melhor, dos homens irresponsáveis de Loriga!...
Breve enquadramento histórico dos moinhos
Desde o século I (85 a.C.) há referências sobre a existência de moinhos hidráulicos. O poeta Antípatra de Tessalónica, contemporâneo dos imperadores Augusto e Tibério, fala-nos da fadiga provocada por um desses moinhos. “Pára de moer o grão, ó mulher que te esfolfas no moinho, dorme até tarde, mesmo que o canto do galo anuncie a alvorada, porque Deméter ordenou às Ninfas que realizem por suas mãos o trabalho, e, inclinando-se no cimo da roda, elas fazem girar as pás que movimentam a pesada pedra molar de Nysis”[1].
No ano 65 a.C. segundo Estrabão, geógrafo grego do século I a.C., no palácio de Mitrídates, o rei de Ponto, em Cabira, utilizava-se um maquinismo que alguns pensam corresponder a um moinho hidráulico. O desenho mais antigo de um moinho hidráulico de roda horizontal, data mais ou menos, do ano de 1430 e está conservado na biblioteca de Munique.
O moinho vertical foi descrito pelo arquiteto e engenheiro romano Vitrúvio, aproximadamente no ano 27 a.C.,e, seria mais tarde, decisivo na “industrialização” da Europa medieval. Estes mais potentes, eram acionados pelos romanos com a água proveniente dos aquedutos. Desenvolvem-se na Gália durante o século IV. Porém, é na Provença, mais concretamente em Barbegal, perto de Arles, que encontramos a mais notável das construções hidráulicas romanas jamais construídas pelos engenheiros do império Romano. No século XII, provavelmente desde os finais do século XI, os moinhos de roda vertical constituem o tipo mais comum em toda a Europa. Em Inglaterra, no século XI, um moinho hidráulico servia em média 50 fogos.
Embora admitamos uma grande diversidade na sua distribuição, o seu elevado número ainda há alguns anos, facilmente visíveis e identificados na vila de Loriga, levam-nos a refletir no enorme contributo económico suportado e desempenhado por estas autênticas “fábricas hidráulicas”. Assim, ajudam-nos também a explicar, os consideráveis índices populacionais registados da comunidade loriguense residente ao longo dos tempos, inicialmente como agricultores e pastores, para mais tarde (depois dos meados do século XIX com a instalação das primeiras unidades fabris), como operários têxteis.
Os moinhos hidráulicos mais vulgares em Loriga, são os de roda motriz horizontal – moinhos de rodízio – todavia, é do interesse comum mencionar, os de roda motriz vertical – as azenhas.
Segundo Fernando Galhano, “nos moinhos de rodízio a água sob pressão é projetada sobre uma roda de penas, fazendo-a girar e com ela, diretamente, o veio, a segurelha, e a mó andandeira. Nas azenhas, a roda de água acciona um sistema de entrosga-carrete, e é este que está ligado ao veio, o qual movimenta a segurelha, e a mó andandeira. A roda vertical pode ser de propulsão inferior (azenha de rio), superior (azenhas de copos), ou média, de acordo com as condições impostas pela topografia local”[2].
Vejamos agora os esquemas segundo o mesmo autor:
Mecanismos do Motor
Figura 1
Legenda Figura 1:
1 1 - Cubo, por onde vem a áqua do exterior. | 9- AguilhãodoEixo. |
2 2 - Esguicho, por onde a água é projetada sob forte pressão contra as penas do rodízio. | 10- Urreiro, ou Arrieiro,que gradua o levantamento ou abaixamento da mó para calibrar a farinação. |
3 3 - Pelão ou Eixo. | 11- Agulha |
4 4 - Rodas de Penas ou Penado. | 12- Porca para accionar o Arrieiro por meio do Aliviadouro, que se maneja junto das mós.
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5 5 - Lobete de ligação. | 13- Mó andandeira. |
6 6 - Veio. | 14- Mó fixa, ou Pouso. |
7 7- Argolas. | 15- Bucha de madeira, por onde passa o Veio. |
8 8- Rela, onde apoia e gira o Aguilhão do Eixo. | 16- Segurelha. |
Mecanismos de moagem
Figura 2
Legenda Figura 2:
1 1- Moega,onde se deita o cereal a moer. | 4- Tremonhado, anteparos para evitar que a farinha se espalhe |
2 2 - Grelha, por onde este corre para cair entre as mós. | 5- Taleiga, saco que levará a farinha. |
3 3 -Chamadouro, para provocar o correr do grão. | 6- Telhadoiro, dispositivo para paragem automática do moinho
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Pelas de rodízio
Figura 3
Penas de rodízio
Figura 4
Rodízios
Figura 5
Urreios e Relas
Figura 6
Para finalizar, voltamos a colocar um desafio aos professores de EVT, EV e História da escola Dr. Reis Leitão, também aos professores do 1º ciclo, para procurarem agendar no currículo das suas atividades didáticas uma unidade de trabalho relacionada com o levantamento e recolha dos elementos ainda disponíveis, numa clara e inequívoca tentativa de defesa e preservação do nosso património e memória local. A “ideia” de museu existe. O acervo recolhido encontra-se devidamente registado e inventariado, inicialmente colocado em exposição na antiga Casa do Povo, mas hoje, dizem alguns… na sede da Junta de Freguesia de Loriga, irrecuperável e desaparecido, dizem outros…!
Apoiemos a ideia e não reivindiquemos a utopia. Porque pensamos que a ciência museológica decorre da investigação museográfica, foi esse o nosso trabalho realizado com as cerca de trezentas peças recolhidas em Loriga…, vamos agora tornar esse ideário sustentável e, quiçá, duradouro e exponencial.
Augusto Moura Brito
(2005-2013)